terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Acordar em desacordar o Acordo

Embrenhado nos meandros do Processo (infelizmente, não o de Kafka), faço uma pequeníssima pausa no meu estudo para partilhar esta iniciativa, em relação ao Acordo Ortográfico (o qual nunca me caiu no goto).

«Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.

- Se me dissessem que ali em baixo estava uma fortuna (…) à minha espera, (..) se eu para lá corresse, eu não apressava o passo… Não! Não saía deste passinho lento, prudente, correcto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.

- Nem eu! - acudiu Carlos com uma convicção decisiva

E ambos retardaram o passo, descendo para a rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrar ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém.

(…)

- Espera! - exclamou Ega - Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.

- Ainda o apanhamos! Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:

- Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma…

Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:

- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder…

A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:

- Ainda o apanhamos!

- Ainda o apanhamos!

De novo a lanterna deslizou, e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.»

[in Os Maias, de Eça de Queirós]



” - Ainda o apanhamos!”*

Uma forma relativamente expedita para ainda podermos barrar o abominável disparate que é o Acordo Ortográfico seria a apresentação de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos junto da Assembleia da República.

Tratar-se-ia, por conseguinte, de submeter à aprovação do Parlamento um documento legal, subscrito por um mínimo de 35.000 cidadãos, com a finalidade de suspender a entrada em vigor do dito Acordo Ortográfico.

Existe um único precedente deste preceito constitucional (ILC), levado a cabo (e com sucesso, por sinal) pela Ordem dos Arquitectos, em 2007 (ver documento em formato Word e notícia OA”).

Para tal, “apenas” haverá que mobilizar vontades, estabelecer contactos, juntar esforços, programar acções e finalmente… agir. Porém, desta vez, não basta simplesmente assinar uma qualquer petição e muito menos de qualquer forma. Há requisitos legais e formais específicos e procedimentos que só gente habilitada para o efeito poderá executar, nomeadamente quanto à redacção da referida Iniciativa Legislativa.

Não adianta agora para nada estar a “deitar contas à vida” e ao tempo perdido em campanhas inconsequentes, em iniciativas inúteis e em discussões estéreis. O tempo urge. Com a entrada em vigor do AO, em Portugal, já no próximo dia 1 de Janeiro, bem poderemos ficar eternamente a carpir mágoas - linguísticas ou outras - a respeito do assunto, que isso já de pouco ou de nada irá servir.

Mas, se calhar, quem sabe, poderá isto ser um último recurso, uma última réstia de esperança. Já sabemos que resta pouco, muito pouco tempo, mas ainda é algum.

Cabe a nós outros, que somos muitos, decidir o que fazer com aquele muito pouco e com aquela última réstia.

[nota: este texto segue assim mesmo, sem pormenores, sem floreados, sem estilo e sem mais coisíssima nenhuma que não a MAIOR URGÊNCIA.]

* Citação de “Os Maias”, de Eça de Queirós.



Este apelo foi enviado por email aos 22.738 subscritores da causa Facebook “Não Queremos o Acordo Ortográfico”.

“Então e agora?”, perguntam-me. Bem, então e agora… é esperar.

Mas esperemos que esperar… não muito.

O assunto já aqui tinha sido aflorado há algum tempo, em Setembro de 2008 e Agosto de 2009, e a sugestão da ILC, em concreto, foi relançada há apenas alguns dias através do Twitter, tendo até colhido alguma e de certa forma surpreendente receptividade.

Porém, e apesar de alguns apoios recebidos - por regra, de carácter informal -, e mesmo sabendo que a recolha das 35.000 assinaturas seria a menor das dificuldades e a tarefa de mais rápida execução, existe um obstáculo gigantesco, pelo menos na aparência: as “figuras públicas”, os grandes “tubarões” desta causa desapareceram todos, ausentando-se para parte incerta. Numa palavra, e pelos vistos, fugiram. Não que fizessem agora grande falta, de tal forma “meteram o pé na argola” pela forma desastrosa como conduziram o processo, mas isto para demonstrar como se torna difícil - para simples cidadãos anónimos - fazer seja o que for em prol do bem comum sem estarem, à uma, escorados (e bem) por Partidos e/ou organizações e ainda, às duas, escoltados por um nada módico esquadrão de figurões mediáticos.

Acresce que uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos não é a mesma coisa que uma simples Petição. Não basta empilhar assinaturas à matroca e entregá-las num qualquer “guichet” do Parlamento, é necessário validá-las todas, uma a uma, com os documentos legais e os dados necessários; não basta um ilustre e virtuoso redactor, é necessário constituir um ou mais do que um verdadeiro jurista; não basta dar umas entrevistas e ir a uns quantos debates soltar umas opiniões, não, pelo contrário, a coisa é séria, carece até de Sede constituída, de Comissão autorizada com 5 a 10 responsáveis, enfim, um ror de “maçadas” e exigências várias que se não coadunam com incompetências, amadorismos, tibiezas ou vedetismos.

Enfim, isto poderá parecer difícil, poderá estar mesmo difícil, mas não desistiremos, não, de todo!

Ao contrário de muitos que por aí andam. Na dita parte incerta.

Apdeites V2

Eu peço imensa desculpa a todos os apoiantes do Acordo, mas eu recuso-me a mudar a maneira como escrevo certas palavras só porque um acordo diz que devo. Simplesmente, mesmo que não tivesse mais que fazer, não vou fazer um reset a tudo o que aprendi e durante anos apliquei só porque sim. Aqui revejo-me nas palavras de Pessoa, quando diz que a ortografia é um fenómeno de cultura e que o Estado não tem o direito a compelir alguém a escrever numa ortografia que não aceita. A ortografia é um fenómeno que o Estado não deve controlar.
Por outro lado, também não defendo a linguagem estranha que a miudagem usa. Só que, tal como no séc XIX se escrevia de maneira diferente do que no séc XXI, não nego que no século XXIII se vá escrever de maneira diferente. E espero também que não seja o Estado a dita-lo, mas sim os portugueses em geral.

Eu não sou linguista nem coisa que se pareça, mas enquanto português e pessoa que escreve em Português de Portugal, tenho a minha opinião em relação a isto. Ei-la.

8 comentários:

Príapo disse...

Finalmente concordamos!

JPG disse...

Foi pena não ter mantido os diversos links contidos no original, bem como as demarcações claras entre os tipos de texto; assim, os leitores perdem-se nos conteúdos e ficam bloqueados na mesma página, sem acesso aos ditos conteúdos, perdendo-se a maior parte ou a totalidade do efeito pretendido.

Anónimo disse...

PALMAS. ATE' Q ENFIM.

Anónimo disse...

PALMAS. ATE' Q ENFIM.

Anónimo disse...

Caro JPG (autor do post original, presumo), por manifesta falta de tempo e nunca de consideração (e também devido às limitações do Blogger) não consegui deixar o texto como deve ser, mas quis partilha-lo o mais rápido possível, deixando um link para o post original.

Agora sim, já está mais composto, (in)felizmente as lasanhas demoram o seu tempo a aquecer, e como é 20 prá uma da manhã, deu-me tempo e calmo ambiente, como só a noite oferece, para dar um jeitinho à citação.

Apenas faço um ligeiro reparo, o primeiro link tem um "fecha parêntesis" a mais.



E ao caro Príapo, excelso filósofo de eterna tusa e de imortal sentido de avacalho (isto é suposto ser um elogio, mas não sei se vou ser bem interpretado), de certeza que até vamos concordar várias vezes mais.


Last but not the least, caríssimo anónimo (ou anónima), palmas é sempre daquelas coisas que fazem falta a uma caixa de comentários. E às festas de anos.

Príapo disse...

Foste bem interpretado, caríssimo. Estou certo de que concordaremos mais vezes, sim, mas aguardo com mais expectativa aqueles dias em que não for bem assim. Abraço.

Anónimo disse...

LOL sr fds qd o vir na fdl logo lhe digo.. festas d anos..

Anónimo disse...

e ainda n foi hoje!